vieiracalado-poesia.blogspot.com
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sábado, 21 de maio de 2016
quinta-feira, 12 de maio de 2016
O coração conhece o segredo
O
coração conhece o segredo dos pássaros,
a
ânsia de horizontes para além do horizonte.
O
segredo dos pássaros é uma centelha
de luz
rebuscando a simplicidade duma vida
mas em
mim apenas memórias difusas de exiguidade
e
fantasmas de veludo passeando mãos inertes
sobre
o meu rosto
ou
labaredas azuis duma tarde quente
e o
fio dum arco-íris
em
suas cores de transparência e frio.
O
coração conhece o segredo dos pássaros
e o
seu degredo.
E eu
apenas recomeço sempre os trabalhos
da
simplicidade da minha vida
e
reconheço a sua exiguidade
guiada
por horizontes de bruma.
em "Os Lábios Múltiplos da Página", a ser apresentado em Agosto.
sexta-feira, 6 de maio de 2016
(excerto) de NU TEMPO
VII
“A claridade é uma justa repartição de
sombras e de luz.”
Goethe
Descrever
os seus domínios,
a
respiração bárbara da nossa ansiedade,
a
sua dimensão alada
‒ o
domínio improvável da dimensão
que
paira sobre as elementares dimensões do nosso corpo,
como
aquelas manhãs que se fecham
num
quarto de janelas fechadas ‒,
é
árdua tentativa desvendar
a
textura das areias duma rosa no deserto,
os domínios da sua solidão petrificada,
o
azul dos céus, o além inquieto, o lilás e o rosa
que
perfuram o cinzento dos dias
com
um dilúvio de sol para a nossa sede,
mas
mais
que tudo
o que nunca nos atrevemos a dizer
do
pacto imperturbável das águas
com
os restos da poeira,
repartindo
as sombras e a luz,
as
divagações dos faunos e do vento batendo nas árvores
levando
para longe as folhas, dispersando-as
com
paixão pelo desmembramento,
cumprindo
a subtil função do sistema
transparente,
que
vemos muito para além do azul dos céus.
pp 21
Extracto de Nu Tempo, um dos meus próximos livros
sábado, 30 de abril de 2016
domingo, 24 de abril de 2016
PROCURO UM LUGAR
Procuro um lugar
nas margens do campo aberto,
um lugar para abrir
a voz das minhas interrogações
sentenciadas ao silêncio
das sentenças imperativas -
a minha desgastada busca
pelas estradas mudas
onde se busca o fim.
Não o encontro,
embora saiba que a fronteira
é vasta,
vastas as margens dos lugares
onde é possível
sonhar a aurora,
no abismo
de encontrar um caminho
de plenitude
no meio da bruma.
inédito
quinta-feira, 14 de abril de 2016
Novelo de Pó
Não vou dizer-te os meus
pensamentos íntimos
não quero convencer-te do que
é inútil e vão
para a história impreterível
das eras,
o redundante levado pelo fio
dos séculos
direito a um céu velho de
estrelas
porque o meu tempo é o que
corre nas minhas veias
e só a mim pertence,
porque é apenas
infinitivamente meu
o novelo de pó que a areia
reorganiza
na geografia dum deserto,
a harmonia própria do meu
próprio deserto.
quinta-feira, 31 de março de 2016
UM DIA
Um
dia acende-se o fulgor do palco,
cai
o pano sobre o pó.
Evaporam
as palavras de teus olhos.
Um
pássaro boceja à beira do tempo.
Depois,
não
há antes nem depois.
Apenas
um silêncio,
um
perfume ecoando sobre o vale,
uma
folha distraída levada pelo rio.
segunda-feira, 21 de março de 2016
CHEIRAR O PÓ
A redescoberta que é ver o pó, cheirar o pó,
cheirar a pó. É um rumor inerte, um retrato
tangível de outras memórias perfurantes,
um vazio entre azuis e baços no chão da terra
gritando segredos abatidos ao silêncio ileso.
cheirar a pó. É um rumor inerte, um retrato
tangível de outras memórias perfurantes,
um vazio entre azuis e baços no chão da terra
gritando segredos abatidos ao silêncio ileso.
Praticar a ciência do pó é viajar pelos gelos
da montanha, um texto insondável de signos
sobre a água, reminiscência doutras águas
de apenas a cognição nua, virgem, das fontes
da montanha, um texto insondável de signos
sobre a água, reminiscência doutras águas
de apenas a cognição nua, virgem, das fontes
é desvendar a erosão, o murmúrio de colunas
gregas, efémeras, a inocente exaltação das aves
assim que o sol reacende a festa inadiável
gregas, efémeras, a inocente exaltação das aves
assim que o sol reacende a festa inadiável
e contemplar uma indústria sem nome e sem data,
sem prólogo, divina, puríssima, demoníaca.
sem prólogo, divina, puríssima, demoníaca.
segunda-feira, 14 de março de 2016
É VIOLENTA A BRISA
É violenta a brisa pela tardes de outono,
uma angústia infinita como um túmulo
que sopra sobre um desespero sereno.
E longa é a distância onde soa a claridade,
porque remoto é o recanto do cantar
tranquilo, as noites longínquas do sonho.
quarta-feira, 9 de março de 2016
O ciclo da água
Onde o corpo percorremos feito de água.
Onde o corpo percorremos percorremos
o ciclo da água.
Onde o instante desvendamos desvendamos
o gesto
pelas mãos.
Possível
– feito
de água –
mas possível.
domingo, 28 de fevereiro de 2016
Cidade anónima
Chego a esta cidade
despido de emoções
as mãos vazias
o olhar vago, sem referências.
Trago apenas uma pequena auréola
de luz
a enfeitar o meu cabelo
pela desobediência aos ritmos
os cinzentos que leio nos ares.
Corpos estranhos desenham-se
na nudez das minhas veias
como o silêncio das águas
dum lago a rasar o azul
É tarde para situar-me
na amálgama das ruas
Só me resta uma nesga de sol
antes da noite que soa.
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016
CELEBRAR A TERRA
Celebrar
a terra que acende os horizontes, a persistente luz
das
estrelas, e me ensina a alegria chã das aves diligentes,
a
metamorfose dos insectos sobrevoando os vales do tempo.
Como
não hei de venerar a ostentação dos seus véus brancos
quando
caminham longe, permitido o logro, os festejos do sol,
alheios
à nudez dos ares, a mão que ateou a viuvez do tempo?
Celebrar
os jogos lascivos do vento abrasando vultos voláteis
de
árvores despidas, esculpidas na nitidez das tardes paradas,
ignorantes
de que nas cinzas é possível ler o poder das cinzas,
a
comovente singularidade de serenos crepúsculos, quando
já
outros partiram rumo ao apaziguamento, num barco de luz
livre,
escrevendo o seu nome numa flor de lótus, à beira Nilo.
E por
fim celebrar as vestes heróicas, a cada manhã revelada,
do
modesto ofício duma flor enfeitiçada sobre o rio que passa,
dum
pássaro madrugador iludindo o enigma plural da noite.
Festejar
a sua inocência, o incêndio imperfeito das sombras
que
rasam os seus destinos, numa desordem programada,
para
que prossiga o festim vagaroso, prosaico, das estrelas.
em "TERRACHÃ", ed. AJEA, 2004
sábado, 30 de janeiro de 2016
DIAS TRANSPARENTES
Nestes dias de
transparências violentadas
sonho a ardência
duma árvore estóica
testemunhando os
ludíbrios da paisagem,
um rio que
simplesmente prossegue
e se disfarça em
devaneios de águas claras
no rigor dos
invernos que conhece.
Subo do meu frio
por escadas verticais,
um perfil
amargurado de vozes interiores
que me trazem às
franjas da realidade,
os alicerces da
essência dos objectos,
onde apenas
vislumbro os excessos da luz
as cinzas ou o fogo
de vulcões extintos.
Contemplo, nas
fronteiras do alvoroço,
os murmúrios de
antigos violoncelos
sussurrando o
desígnio das águas leves
fustigando o
granito das profundas fendas
da
terra, num exercício demolidor.
Mas
nada sei dos exercícios de barro,
apenas
reconheço o ar circundante
que
prossegue dando frescura às vigílias,
na
lassitude serena de entender a bruma
a
descer sobre a superfície das origens.
Por
isso apenas me atenho às evidências
do
pólen esvoaçando ao sabor do vento,
a
pura sedução das vertentes da luz
o
mecanismo rigoroso dum grão de trigo.
in "Transparências", 1999
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