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sábado, 28 de maio de 2016

POEMA DE AMOR


Eras bela pela tarde à luz mutante
no teu rosto de menina,
já mulher
e anunciavas flores de jasmim
num lascivo desejo de romãs
que acendias devagar em minhas mãos.

Eras tu que trazias o enigma resolvido
da plenitude na planície, na longa espera
duma pétala oscilando ao sol,
o pólen dum lírio madrugador a clarear
o horizonte, o meu sangue ansioso
por assistir à cerimónia repetida
das espigas e do pão.

Trazias pela tarde o meu sustento
até ao fim da ausência,
o arco-íris
como a crina dum cavalo ao vento
emudecendo a cinza de meus olhos.

Eras tu a voz que se ouvia na vertigem
de olhar uma aldeia acordada por tambores,
nas origens, no orvalho, no barro
dum prelúdio que já tive, de alegrias.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

O coração conhece o segredo


O coração conhece o segredo dos pássaros,
a ânsia de horizontes para além do horizonte.

O segredo dos pássaros é uma centelha
de luz rebuscando a simplicidade duma vida

mas em mim apenas memórias difusas de exiguidade
e fantasmas de veludo passeando mãos inertes
sobre o meu rosto

ou labaredas azuis duma tarde quente
e o fio dum arco-íris
em suas cores de transparência e frio.

O coração conhece o segredo dos pássaros
e o seu degredo.

E eu apenas recomeço sempre os trabalhos
da simplicidade da minha vida
e reconheço a sua exiguidade

guiada por horizontes de bruma.

em "Os Lábios Múltiplos da Página", a ser apresentado em Agosto.

sexta-feira, 6 de maio de 2016

(excerto) de NU TEMPO


 VII

   “A claridade é uma justa repartição de sombras e de luz. 
   Goethe
  
Descrever os seus domínios,
a respiração bárbara da nossa ansiedade,
a sua dimensão alada
‒ o domínio improvável da dimensão
que paira sobre as elementares dimensões do nosso corpo,
como aquelas manhãs que se fecham
num quarto de janelas  fechadas ‒,

é árdua tentativa desvendar
a textura das areias duma rosa no deserto,
os domínios da sua solidão petrificada,
o azul dos céus, o além inquieto, o lilás e o rosa
que perfuram o cinzento dos dias 
com um dilúvio de sol para a nossa sede,

mas  mais que tudo
o que nunca nos atrevemos a dizer
do pacto imperturbável das águas
com os restos da poeira,
repartindo as sombras e a luz,
as divagações dos faunos e do vento batendo nas árvores
levando para longe as folhas, dispersando-as
com paixão pelo desmembramento,
cumprindo a subtil função do sistema
transparente,

que vemos muito para além do azul dos céus.

pp 21

Extracto de Nu Tempo, um dos meus próximos livros