vieiracalado-poesia.blogspot.com

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terça-feira, 10 de março de 2020

O ESPAÇO DA PÁGINA

 Imagino uma folha de papel branco,

uma ideia de horizonte
para as fronteiras da luz,
a margem vigilante       
da utopia.

A ideia assume-se
no espaço da página,
em promessa indizível
incendeia-se.

A palavra floresce
a metáfora nua
dentro dum casulo de memórias
de pele verdadeira.

É infinita
no círculo das águas,
na precária transição
para o real,
o quotidiano inconsciente.

Tanto recobre os interstícios
da página
como se sobrepõe ao vazio do espaço,
na cor neutra do vidro.

Uma página em branco
É
o lugar do amor
o lugar
duma impressãozinha vegetal
na parte de fora da alma,
junto aos muros do sangue

bruma branca de reminiscências
as mais interiores   encobertas
as mais pardas   fundas

Sobre a página se desenha a corda
entrelaçada,
linhas curvas vergam para além
dos limites do chão,
transcendem a própria ideia de espaço,
voam até ao princípio
da luz
que ainda brilha nas praias
da inocência.

A ideia pressupõe um inventário
de cores virtuais,
arestas que se dissolvem
nos poros da matéria
onde se inscreve o espaço
do contexto.

É enorme o seu campo,
o verdete azul
das vozes pronunciadas
que disseram um caminho exangue
sobre as ondulações do tempo

para que seja possível regressar
à pureza dos dias intermináveis
em aliança com o infinito,
ao marfim dos olhos livres
nas sebes da paisagem –

provável conhecedora dos ecos
repetitivos do tempo


na palavra do poeta.

segunda-feira, 9 de março de 2020

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

SONETO CLÁSSICO



 Este blog permite comentários anónimos, desde que de boa-fé


 SONETO CLÁSSICO

Foi uma aventura breve de ilusão,

qual centelha fugaz e excitada

rompendo o véu da esperança e da razão

queimando a fúria amena e enamorada,



Foi uma aventura rápida ansiada,

como um impulso oculto uma visão

que nascera em mim da celebrada

falsa essência que fulge o coração



Foi um sopro de vento imaculado

que cedeu ao ciclone do meu sexo

foi a miragem do amor sem nexo



O desencanto da alma e o tresloucado

e fremente querer que o mundo sente

enquanto em si tal feito não consente.


sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

NATAL II


A ideia de Natal é uma ideia em construção
uma casa comum de barro generoso
feito do sangue e da probabilidade duma cidade
cheia de luz, emergindo de obscuro impulso,
um promontório temível que despedaça as águas
impelidas por vento que vem do chão.

Evocar o Natal é uma ideia de harmonia
entre os naturais irmãos da terra,
o decurso duma semente que floresce
ao calor dum gesto sempre inacabado.  

Façamo-lo hoje ao cair da noite
para celebrar a vida, numa ideia de paz

para que o barro floresça em paz até ao fim.

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

O NOSSO PALCO


O ofício das palavras é uma cerejeira de séculos
um cristal que experimenta os magmas da terra
a pressão dos fluidos, o debate léxico dos óxidos,
na obstinada austera metamorfose das seivas.

É uma frágil representação da apetência
para respirar os ritmos interiores do corpo
em seus murmúrios de floresta eflorescente,
seus rios insaciáveis arrastando as margens.

A fogueira das palavras é um destino instante
de plantar árvores de frutos exóticos
à beira do chão mortificante, redondo
e é um exercício tão urgente como o corpo
na sua paixão íntima pelo delírio intenso
de presenciar a transfiguração da claridade.

sábado, 15 de setembro de 2018

SETEMBRO

Setembro é o mês dos grandes fogos. 
A devastação
do chão devagar bebendo a seiva imperturbável
onde a cinza refeita dos séculos reacende
o resplendor das manhãs, nas árvores macilentas,
com o seu bafo de menina que vai morrer.

Por ele se redime 
o cardume das aves migratórias
rumo ao sul dos sóis inumeráveis
perdido que foi do estio, o agosto ardente,
a terra descalça, seca, 
nas ambições do trigo.

Mês onde o leão a virgem devora lentamente
com o seu rosto de ervas
amarelas da tarde macerada.

Por ele se esvai o brilho do riacho
às portas do mar correndo,
de tão longo augúrio o amor desfeito.

Mês onda a pedra avulta perene 
o esplendor dum réptil
e o réptil reganha a cor a condição
da pedra.

Setembro é o grande mês dos fogos
primordiais,
  tardes que se alongam em vozes frias
com a exactidão precisa dum alçapão
e um tumulto de folhas secas roça
o dorso incerto do valado
grisalho, de aranhas agonizantes voando
em teias de pó no ar incerto
ou ao mar do vento desabrido e sonolento.

Por aqui passam os últimos enleios 
do despertar
a frágil representação da cena das espigas
brisas cravadas de papoilas, 
sinfonias de luzes,
enquanto os grandes espaços se enchem
do último voltear dum insecto doido.
na secura, na vertigem inquieta 
do fim do dia
inquieto pelas chuvas anunciadas.

Setembro é fogo do fogo. 

O princípio da cinza, 
o princípio do princípio.