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sábado, 22 de julho de 2017

POEMA AO COMPUTADOR


Oh, meu bento computador,
quanto me trazes em repouso e equilíbrio
com a destreza das tuas funções automáticas
a tua precisa formatação do espaço e seus limites,
a correcção ortográfica das minhas falhas!

Quanto sustentas a minha serenidade
quando corro os dedos pelos teus sentidos,
substituindo o quartzo já gasto da minha memória
pela eficácia dos teus atributos,
pelo tacto dos teus arranjos algébricos
para os ecos da palavra
e do suor das cinzas dos meus versos!

Meu bento computador
quanto bendigo os teus gestos de luz e cores
e o leque das tuas opções adequadas,
nas tons que imprimes no écran dos meus olhos,
na harmonia com que reescreves o acervo
das mil loucuras que trago debaixo das veias,
ou no exercício tecnológico da sintaxe,
que estendes pelas páginas já abertas!

Tens o dom de inserir estilos de impressão
nos meus devaneios léxicos, prosaicos
suaves como águas que se enxugam nas areias do chão,
silêncios que arquivo no teu sistema de ficheiros
invioláveis, por meu capricho e teu zelo sereno
na minha vontade e meus caprichos perecíveis.

És a continuação da obra 
feita formosura no espaço da página
e nunca me desvias do caminho aberto
com que suponho a arquitectura irregular
dum círculo de palavras, ou dum ciclo de sons
onde inscrevo as minhas dores irreveladas
que ciosamente escondes de olhos estrangeiros,
só acessíveis a quem saiba a palavra-
-passe
da morte adiada programada
da minha vida.


quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

POEMA DRAMÁTICO


Fechado durante séculos,
o livro guardava o mistério das altas torres,
a água subterrânea das fontes.
Um nómada inquieto, 
filho das sombras,
indiscreto como uma criança,
o abriu.
Dentro, permanecia, inerte,
absorta no seu segredo, a gravura.
Quando o papel me chegou às mãos,
trazia pintado, a lápis de cor,
esse edifício imponente em seus tons verde 
e castanho,
como uma árvore.
Era a imagem comovente de antigos cadafalsos,
que arrepiava os ossos de perceber a intensidade
e o drama daquelas vidas,
hoje apenas o verdete nos beirais das casas,
uma luz oblíqua e um tecto despovoado 
aberto às chuvas e aos pássaros 
que sopram nos princípios da primavera. 
Observo este estado de alma,
esta vertigem de ver os artifícios duma flor confrangedora 
apegada à utopia,
numa sensação de frio, de imprecisos contornos,
da claridade esmorecida.
Regresso ao mundo, fora do castelo tranquilo.
A angústia mistura-se a um murmúrio,
a uma tranquilidade virtual,
a sedução pelo equilíbrio do sistema.
A gravura voltara para o interior do livro,
ao seu lugar de repouso,
fechado para outros séculos de indulgência.