vieiracalado-poesia.blogspot.com

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quarta-feira, 22 de outubro de 2014

A NOSSA CASA


Uma casa constrói-se ao lado dum caminho,
a respiração contida, a luz adequada à festa
duma porta entreaberta, grave, mas vigilante,
na virginal sedução por aromas encobertos.

Para sustentá-la em seus símbolos de fogo
e seus muros de imponderável leveza,
iludem-se os barros no plasma dos sonhos,
o tecto lavra-se para as duradoiras chuvas
em cerimónia primitiva ritual de origens.

Servem-se as ervas em remotas narrativas
de saberes esquecidos, vividos nas cinzas
do tempo breve que preencheu a claridade.

E para a necessária tolerância das ruínas
a incansável circulação dos magmas, o frio,
ignoram-se os desvios dum coração audaz

porque a casa é o lugar exacto dos ruídos
a respiração das águas que caiem devagar
desconhecendo o pó, os átomos do delírio.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

AS CORES DIZEM O TEMPO


As cores dizem o tempo,
o granizo que embranquece as arestas do granito,
o hortelã respirando pequenas flores de sabor a sul.

Ó a antiga sapiência das árvores
e dos caminhos
e da plenitude nas planícies de verdura!

Como não hei-de segredar o teu nome
ó bonina de incenso, em noites de paixão,
nos pântanos que parecem eternizar os teus segredos?

És o pólen e a cegueira
de espirais hipnóticas de paz e medo,
em águas nascentes de musgo e de frescura.

És a vertigem duns olhos feridos pelo orvalho
das manhãs, ao cair da tarde
e eu te invoco na busca dos limites
que fazem o fascínio, a vigília perturbada
do teu violoncelo tocando ao vento.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

SONETO CLÁSSICO


Subi um dia pela tarde aquele monte
donde as coisas do mundo que habitamos
fazem crer-nos, de longe, que julgamos
ver de perto, ao longe, o horizonte.

Alta serra de luz cegando a fronte,
quando ao ponto mais alto nos chegamos
das coisas do mundo comprovamos
já não ver se vemos árvore ou fonte.

E do alto da serra contemplei
em plena luz, a luz que iluminava
a terra e o sossego que reinava.

Desci depois do ponto onde cheguei,
mas só quando à terra regressei
é que entendi que vista me enganava.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Flores do Outono


Agora vou reclinando o corpo
entre a terra e as estrelas.

 O espaço é breve
 para a brisa do mar
 que ainda soa.

E no entanto,
adormeço
no meu sonho,
sereno de harmonias
                         
incendiando o fino pó
da terra
com estas flores violetas
violentas,
exíguas, do outono.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

TAL COMO OS PASSOS


Tal como os passos dados na praia
o dia de hoje é frágil, apenas evocativo,
o chão onde cresce uma flor ambígua.

Tem o aroma bivalve, mediterrânico
de quotidianas algas sucumbidas nas areias,
traz notícias de longínquas luas derretidas
em pequenas conchas que habitaram sonhos.

É um espaço de presenças nuas que se dilui
na linha que separa as cinzas e o fogo,

mas é a margem onde escrevo as vozes suspensas
da minha veneração, da minha pura alegria,
do meu eterno desassossego na descoberta
pelo hálito concreto, fraterno, dos búzios.