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sábado, 22 de julho de 2017

POEMA AO COMPUTADOR


Oh, meu bento computador,
quanto me trazes em repouso e equilíbrio
com a destreza das tuas funções automáticas
a tua precisa formatação do espaço e seus limites,
a correcção ortográfica das minhas falhas!

Quanto sustentas a minha serenidade
quando corro os dedos pelos teus sentidos,
substituindo o quartzo já gasto da minha memória
pela eficácia dos teus atributos,
pelo tacto dos teus arranjos algébricos
para os ecos da palavra
e do suor das cinzas dos meus versos!

Meu bento computador
quanto bendigo os teus gestos de luz e cores
e o leque das tuas opções adequadas,
nas tons que imprimes no écran dos meus olhos,
na harmonia com que reescreves o acervo
das mil loucuras que trago debaixo das veias,
ou no exercício tecnológico da sintaxe,
que estendes pelas páginas já abertas!

Tens o dom de inserir estilos de impressão
nos meus devaneios léxicos, prosaicos
suaves como águas que se enxugam nas areias do chão,
silêncios que arquivo no teu sistema de ficheiros
invioláveis, por meu capricho e teu zelo sereno
na minha vontade e meus caprichos perecíveis.

És a continuação da obra 
feita formosura no espaço da página
e nunca me desvias do caminho aberto
com que suponho a arquitectura irregular
dum círculo de palavras, ou dum ciclo de sons
onde inscrevo as minhas dores irreveladas
que ciosamente escondes de olhos estrangeiros,
só acessíveis a quem saiba a palavra-
-passe
da morte adiada programada
da minha vida.


sábado, 30 de janeiro de 2016

DIAS TRANSPARENTES


Nestes dias de transparências violentadas
sonho a ardência duma árvore estóica
testemunhando os ludíbrios da paisagem,
um rio que simplesmente prossegue
e se disfarça em devaneios de águas claras
no rigor dos invernos que conhece.

Subo do meu frio por escadas verticais,
um perfil amargurado de vozes interiores
que me trazem às franjas da realidade,
os alicerces da essência dos objectos,
onde apenas vislumbro os excessos da luz
as cinzas ou o fogo de vulcões extintos.

Contemplo, nas fronteiras do alvoroço,
os murmúrios de antigos violoncelos
sussurrando o desígnio das águas leves
fustigando o granito das profundas fendas
da terra, num exercício demolidor. 

Mas nada sei dos exercícios de barro,
apenas reconheço o ar circundante
que prossegue dando frescura às vigílias,
na lassitude serena de entender a bruma
a descer sobre a superfície das origens.

Por isso apenas me atenho às evidências
do pólen esvoaçando ao sabor do vento,
a pura sedução das vertentes da luz
o mecanismo rigoroso dum grão de trigo.

in "Transparências", 1999